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96 Pe. Bartolameo da Monza No momento em que o suspeito, coberto de lama e suor, tentasse afastar o obs- táculo, os olheiros, sem serem vistos, observavam com a máxima indiferença o embaraço em que ele se metera, e esperavam só que a vítima chegasse ao alcan- ce de seus fuzis. De quantos tentaram ultrapassar aquela barreira, que parecia obra do acaso e consequência das chuvas incessantes, ninguém se salvou. Mais adiante, à distância de quinhentos metros, e exatamente no ponto mais alto, com troncos e cepos amarrados em paralelo, e não muito afastado do caminho, formaram uma trincheira para resistir às primeiras investidas, se da Barra do Corda fosse enviada uma expedição militar contra eles. As precauções tomadas pelos índios e todos os detalhes de es- tratégia que orientavam as suas operações eram tão bem organizados, que, não fosse pela inferioridade de armas e falta de coordenação, eles pode- riam ter resistido por muito tempo às forças organizadas do Governo. Tais coisas, e outras circunstâncias que depois se souberam, fizeram suspeitar, e com fundamento, que os índios não foram nem os motivadores nem a causa do massacre e arrasamento da Missão, mas foram usados como instrumento por pessoas más e perdidas, mais selvagens que os próprios selvagens. Massacrados os missionários, as freiras, os órfãos, as órfãs e todos os cristãos de Alto Alegre, os índios tornaram-se, por mais de um mês, senhores absolutos de tudo quanto a Missão possuía. Nem de longe lhes ocorreu o pensamento de serem atacados por forças governamentais, e eles mostraram a maior surpresa quando se viram assediados pela milícia regu- lar. E houve fatos para provar que tinham razão de se surpreenderem. Iniciou-se o processo. Os índios mantiveram-se sempre impassí- veis, cientes como já estavam do resultado. Tratados como seres sem razão, imbecis e irresponsáveis por seus atos, foram postos em liberdade. Decerto aquilo não foi um ato de justiça nem de misericórdia. Simplesmente, eles foram declarados incapazes de qualquer responsabilidade. Diz-se que de cima viera ordem para soltá-los, e, para os componentes do júri, fora im- posta obediência cega às ordens superiores. O sangue dos inocentes ficou sem punição. Seu sangue ainda no presente se vê, e lá ficará para clamar contra a injustiça humana. Mas, enquanto clama contra a injustiça huma- na, implora o perdão para aqueles que foram causa de sua morte, aqueles que serviram de instrumento para que eles obtivessem a coroa do martírio. Sim, intercedei por eles, e rogai, rogai perante o trono do Altíssimo, para que aqueles pobres infelizes obtenham não apenas o dom da fé, mas tam- bém o dom de praticá-la.
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